Distância total | 84,54 Km |
Desnível acumulado | 12180 Metros |
Desnível positivo | 6098 Metros |
Clasf. 8º -10h31m
Como é possível? Ainda em Chamonix, com o pé elevado… com dores…a fazer analgésicos…não sabia a gravidade da lesão, muito menos o seu tempo de recuperação…ainda aceitar o fracasso…mas o próximo desafio estava na mente: Cavalls Del Vent… só possível porque gosto de correr, de superar-me, correr riscos, não me dar por vencido e ter toda uma equipa em meu redor altamente profissional…somos amadores, mas muito profissionais no que fazemos…rigor, disciplina e muita paixão…
Agradeço a Drª Maria da Cunha (Médica Fisiatra) o seu profissionalismo, mais ainda a sua entrega e dedicação, foi preponderante no avaliar, diagnosticar, intervir e na prevenção, ao Paulo por sempre me apoiar, por acreditar em mim, pela capacidade de me motivar, a minha evolução como atleta devesse em muito ao seu talento….
A minha associação desportiva Adefacec, agradeço o seu apoio financeiro, só com a vossa ajuda foi possível estar presente…obrigado!
Mas a base de tudo isto são os amigos, a família…em especial a minha mulher Ivone , por acreditar em mim e no meu sonho…muitos são os sacrifícios…não sei como agradecer-lhe…
Dia 30 de Novembro, encontro no aeroporto com os meus companheiros de aventura: Susana Simões, Telmo Veloso e Marco Silva…destino Barcelona…chegados a Barcelona, viagem para o local de peregrinação “Bagá”, a meio do caminho paragem breve para jantar…24.00h- hora local chegada ao destino… ansiedade, o nervosismo estava presente…faltava 10horas para o inicio…tempo de descansar…ou não… a restante comitiva Portuguesa estava atrasada, Pedro Basso chegou ao nosso quarto perto das 4 da manhã, estava-mos a sua espera… como sempre a noite que antecede a prova não consigo dormir…
Levantei-me cedo, fui tomar um pequeno-almoço reforçado…sabia que iria precisar…ainda tinha a tarefa de colocar as ligadura-Tapes, no tornozelo, tinha de prevenir…
Estava de saída, ansioso por estar na partida…sentia necessidade da pressão, do ambiente da partida…mas no hall de entrada do hotel estava Zigor Iturrieta - corredor Basco, que admiro…uma pessoa com grande determinação e muita humildade, para mim um grande momento…Zigor abordou-me…reconheceu-me de outras provas…brutal…momento mágico!
Caminhava tranquilo para o centro de Bagá, ao som da música “ O Ultimo dos Moicanos” , arrepiante…tremendo!
Linha de partida, ambiente estranho, esquisito até…todos os atletas descontraídos, grupos em autentica galhofa…as estrelas como Kilian, Miguel Heras, Iker Carrera, Aitor Leal, Zigor, Tófol, Lorblanchet, Rickey Gates…muitas estrelas mais, na maior das descontracções, conversavam, tiravam fotos…o olhar carregado não existia, com o aproximar da hora, aí sim, muita concentração.
Tiro de partida, pouco depois estava a subir…subida longa, perto de 14km, do centro de Bagá-800m alt. Até ao refúgio de Niu de L´Aliga-2520m alt., o fantasma UTMB estava na mente…fisicamente estava quase a 100%, mas faltava-me a confiança…não sabia como o tornozelo iria comportar-se…a descer ia tirar todas as dúvidas…
Subida muito forte, a um ritmo tremendo… durante algum tempo, não muito… conseguia ver o grupo da frente, tinha uma estratégia montada… nunca olhar para trás, fazer a minha prova, nas subidas tentar progredir, sempre a progredir…não tinha tempo sequer para lamentações, seria sofrer…sabia que nas descidas não ia poder arriscar…lutava com as armas que tinha, aproveitar ao máximo o ambiente…centenas de pessoas a vibrar com os atletas, apoiavam, berravam, tocavam…não tenho palavras para descrever, arrepiante. A meio da subida tinha deixado para trás o meu amigo Basco-Zigor…ainda era o começo, mas estava com boas sensações, estava a curtir o momento, mais ainda a paisagem…tempo não faltou, 13km em 1h57min…durinho!
Chegada ao refugio de Niu de L´Aliga, aí mais uma vez fabuloso…no abastecimento não faltavam alimentos sólidos e líquidos, ambiente acolhedor, os elementos da organização sempre interactivos, perguntavam o que queríamos, ajudavam a encher os bidões, era uma constante perguntarem como nos sentia-mos, se estávamos com mazelas, era evidente que a integridade mais a segurança dos atletas era prioridade, parabéns a organização… Altura de respirar… tinha pela frente uma descida longa em direcção ao refugio Serrat De Les Esposes, sensivelmente aos 28 km de prova…, como tinha planeado não arrisquei, comecei a entrar no meu estado de espírito perfeito, sensação de vazio…controlava todas as minhas emoções, o meu ritmo cardíaco…estava feliz…tinha tomado mais um alucinogénio….
Por breves instantes distrai-me, observava ao longe um corredor…fantástico…brutal…como era possível ele dominar os bastões com uma eficácia e elegância, a subir, a descer, a correr, a caminhar…nunca vi, entretido com aqueles movimentos e embalado pelo seu ritmo, tínhamos passado algum tempo o refugio Serrat De Les Esposes…tinha chegado o momento de ir embora, cumprimentamo-nos e desejamo-nos boa sorte…
Penso que tenha sido neste refugio-Dels Cortals…ouvi o meu nome…não podia ser, não acreditava que alguém ali me conhece-se…puro engano… grande momento…Fernando Pinto… gritava por mim, vinha ao meu encontro… foi muito motivador, o carinho e apoio de um amigo.
Sabia que o mais difícil da prova estava a chegar, mas a motivação e confiança aumentava…os Tapes que tinha colocado no tornozelo estava a funcionar, não tinha perdido a estabilidade…mas arriscar nem pensar…
Próximo objectivo, refugio Prat D´ Aguiló-abastecimento aos 42km, seria o maior abastecimento, proporcionava a troca de roupa e calçado aos atletas, para isso tinha que se deixar no dia anterior a prova um saco próprio dado pela organização...
Saí do abastecimento, mais uma vez cruzei-me com Zigor…bom sinal…tinha andado a sua frente 42km… agora sim começava a prova… subida poderosa, muito forte, técnica a mais difícil até ao meu momento…ponto chave da prova…altura de puxar pelos Bastões…não os domino… ainda…mas tinha de ser…aliviada por momentos as pernas…mas tinha o efeito contrário, outros membros (braços) a trabalhar… significa mais desgaste…
A meio da subida, nem queria acreditar…outra vez, não era possível… Fernando Pinto novamente …como veio ele aqui parar, só mesmo de helicóptero pensava eu (confirma-se), gritava, berrava chamava-me nomes…episódio ao nível da volta á França em bicicleta, não sei como mas acompanhou-me até ao cimo…está em forma…mais uma vez foi reconfortante ter alguém presente fisicamente…
Esperava-me agora uma descida longa até aos 60km- Refugio Gressolet, alguns single tracks, mas quase sempre em estradões…num desses single tracks estava mais um atleta sentado, parei…perguntei se precisava de alguma, simplesmente disse-me que as pernas não davam mais…confortei-o, segui viagem…
Concentrei-me no ritmo cardio-respiratório, tinha passado pelo pior…metade da prova estava feita, faltava “só” uma maratona…agora era sempre a descer em estradões…questionava-me porque ia sozinho, era estranho Zigor não aparecer, logo ele…sempre muito forte nas descidas… Sabia que não estava a descer rápido… mas descia seguro… aproveitei aquele terreno firme para hidratar, pois estava bastante calor… tinha de chegar Gressolet.
Saio de Gressolet, aprece o dito (Zigor) …melhor opção…aguardar pela sua companhia…tentar ir a sua boleia…mas entretanto tinha a subida para Coll De La Bauma, ataquei…sentia-me forte…mas as pernas começavam a fraquejar.cheguei ao topo sozinho…agora era doer...faltavam 21kkm para Bagá…finalmente tinha a companhia do Zigor…surpresa outro corredor vinha com ele...coloquei-me entre os 2…foram 13 km loucos, sempre em trilhos estreitos…muito técnicos…inúmeras armadilhas (troncos, raízes), concentração máxima, ao mínimo descuido podia hipotecar a prova…chegamos ao abastecimento em Bastareny (+-km70), relaxei um pouco…os voluntários-organização, mais uma vez fabulosos perguntaram-me se estava bem, o que precisava…recordo-me de ter dito (preciso de umas pernas novas… muitos risos, reconfortante), entretanto ouço em Catalão “tus amigos no han esperado”, agradeci a amabilidade…mas tinha de ir…pouco tempo depois alcancei-os, mas fui obrigado a gastar muitas energias…agora era sempre a subir até refugio de Sant Jordi, depois de 70 km aquelas subidas eram autenticas paredes, pouco depois o outro corredor rebentou por completo…só caminhava…estava em dificuldades, o ritmo era forte, a subida assim o exigia, faltava +-2km para o abastecimento de Sant Jordi, tinha ficado sem agua no camel bag, lição…nos abastecimentos não dá para relaxar…decisão difícil…baixar o ritmo…economizar ao máximo energias até ao abastecimento…tinha de ser…custou ver Zigor desaparecer…mas não me restavam alternativas…
Finalmente, com muito esforço, tonturas a mistura…estava desidratado…cheguei ao abastecimento... vinguei-me hidratei o suficiente…mas atestei o camel-bag e o bidão, restava agora menos de 12 km, sensivelmente 1hora para o final…
Começava a escurecer, o sol estava do outro lado da montanha, as arvores não deixavam sequer ver as estrelas, foi como se ficasse noite de repente… momento de usar o frontal…mais uma lição, o material jamais se experimenta em prova…optei por levar um frontal leve (SOS) …meu deus…ter aquele e nenhum é mesma coisa…tinha de aceitar o erro…concentrar-me no terreno era a prioridade, cair estava fora de questão…uns km á frente os meus olhos tinham-se habituado a noite…fantástico…
Tinha saído da floresta, estava agora no asfalto? Enganei-me…não pode, estava confuso, tinha a certeza que o caminho era aquele, tinha seguido as fitas.não havia nada que enganar…apareceu um carro, estava cheio…as pessoas quase saiam pelas janelas… felicitavam-me, não percebia nada…até que entendi…seguir a estrada +-2km, depois entrar novamente no trilho em direcção a Meta…como é possível isto acontecer…não tinha reparado que as fitas reflectoras estavam penduradas nos raides da estrada…enorme confusão, é o desgaste...
Estava a terminar, hora dos telefonemas…sentia necessidade de partilhar aquele…ainda não avistava a meta, mas ouvia na perfeição a música que tinha deixado para trás logo de manha “ O Ultimo dos Moicanos”, cada vez mais alto…estava a chegar…
Grande momento, tinha terminado…desta vez ganhei…
Excelente Armando!
ResponderEliminarParabéns pelo relato e claro pela prova!
Um exemplo para muitos!
Na véspera de ir fazer uma Maratona é altamente motivante ler uma história destas, li tudo e os pormenores relatados dão a entender o quanto deves ter gostado em fazer esta prova. Os resultados foram excelentes e a forma como a prova foi controlada atesta bem da motivação com que foi realizada.
ResponderEliminarParabéns e agora uma boa recuperação.
Um muito obrigado, simplesmente escrevos as sensações vividas...
ResponderEliminarJoaquim Adelino, dejeso-lhe uma boa maratona...concretize os seus onjectivos...
Abraço
Só de ler já me doem as pernas ;)
ResponderEliminarAb
Armando, o teu texto da CdV2011 é muito bom: revelas uma capacidade de relatar a ultramaratona de forma pormenorizada, aliado a uma sensibilidade de transmitir sensações e pensamentos, conjugado com um estilo de partilha e humildade, que são traços vincados da tua personalidade... temos escritor:) Parabéns
ResponderEliminarFico ansiosamente à espera pelos textos de 2012... :)
Muito bom! Venham os textos de 2012!!!
ResponderEliminarAbraço Armando